segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Carta à Srta. P. / Sobre fotografia e memória

Prezada Srta. P.,

É com imenso prazer que escrevo-lhe estas confusões sobre memória e fotografia.
Inicio minha linha de raciocínio partir da tese de que toda memória é abstração de um fato. Não é o fato em si. Por exemplo, se você bate uma fotografia, o quadro, ou imagem, permanecem sendo apenas uma imagem, dentro da zona externa de sua memória, você não digere a fotografia e absorve-a. E mais, você seleciona o que lhe interessa dentro do quadro. Tudo depende dos seus interesses dentro da situação, ou do momento em que o registro é feito. Independente da experiência que o momento proporcionou, sua percepção é sempre tendenciosa. O quanto dessa experiência você realmente recorda? Quanto do tom de voz, das hesitações, das considerações você recorda? Quanto de toda a situação em torno do quadro você realmente recorda? Você absorveu o incidente, ou se recorda e volta a ele na realidade? - O que é impossível, pois o evento é passado. E caso fosse possível, a partir do momento em que volta-se ao passado, este, torna-se presente.
Mas é este retorno que fornece material para processarmos uma memória congelada e tomar posição em gostar ou desgostar. É este retorno que vai influenciar nossa interpretação semiótica da imagem. Só a partir do momento em que assumirmos o contexto da imagem, nossa interpretação poderá definir padrões estéticos. E assim, selecionamos esta imagem, ou parte dela, para auxiliar nossa mente no resgate da memória.
Somos sempre tendenciosos. Qualquer fotografia é uma elitização de um contexto. Mesmo aquelas com o dedo na frente. Aliás, estas sim, são prova negativa da elitização de um contexto por padrões estéticos. Já que normalmente por nao agradarem tanto ao fotografo como ao leitor, vão para o lixo, tanto física quanto psicologicamente.
Portanto, tanto "o cubo" como "tire o dedo da obra!" são ensaios sensacionais. Do fundo de meu coração, agradeço pelos questionamentos levantados no ano de 2008. Muito obrigado, é sempre um prazer trabalhar com você.

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"A coisa mais divina que há no mundo, é viver cada segundo como nunca mais"
Vinícius de Moraes

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